sábado, 16 de janeiro de 2010

O poeta e a louca

Um conto de Cont...

A tarde vazia de Doud, se enche de poesia com a simples visão de uma bela moça passeando pela praia. Uma beleza escondida, que só ele nota e anota. A linda moça é taxada de louca pelos moradores da Prainha Doce. Lugar que tem esse nome por ser uma pequena e deserta praia de rio. Doud, a pouco se mudara para um hotel que fica neste singelo local. Lugar na medida, que seu destino, guiado pelo íntimo, achou. Isto para livrar-se da culpa que sentia. A culpa de ter saído da escravidão das drogas e não ter conseguido salvar seus amigos. Doud há pouco tempo atrás era um ladrão, roubava para sustentar o vício em crack. Era um jovem perigoso e sem futuro. Salvou-se por seus próprios pensamentos poéticos, mas estes estavam se aprofundando muito. As pessoas o julgam um louco devaneante. Na verdade, sua mente está conturbada e de si cobra ajudar outras pessoas que por pura desinformação se perdem no submundo das drogas. Seus amigos inexistem nesse lugar, estão mortos, presos ou ainda são escravos. Seguiu seu instinto.
Doud, jogador do próprio destino, esta no quarto do hotel. Pela janela sente o que a vida lhe reserva. A imensa força do amor se apresenta naquela atmosfera. O quarto que escolhera, é de frente para a prainha doce. E foi dali que ele avistou aquela misteriosa moça logo na chegada. Depois percebeu a rotina dela. No início das manhãs e aos finais de tarde ela perambula pela prainha e, com uma sombrinha, rabisca n’areia. Moça, que depois descobriu, o seu apelido “a louca do sol”, por que ela acompanhava as alvoradas e crepúsculos todos dias.
A ele transpareceu ser poesia a loucura daquela moça. Doud lê, a distância, na areia poemas em devaneios. Com a curiosidade, natural nos poetas, tornou-se um espião. Fitava os passeios da louca. A distância, encanta a tênue relação, entre o ser olhado e o ser que olha. Doud percebe, que ele próprio, supoe-se poeta e o conceituam de louco sonhador, portanto aquela louca pode ser sua incompreendida alma gêmea. Ele e ela, hipoteticamente próximos em suas aparências préconceituadas, de alguma forma se comunicam.
Assim todo final de tarde o sol, como uma ficha na máquina do destino, insere-se no horizonte. Enquanto isso, poeta e louca assistem juntos, sem saber, o funeral de mais um dia de sol. Ela parece sentir que alguém de olhar pontiagudo a observa a longa distância e data. Uma relação quase que cósmica. Como corpos celestes se atraindo. Os contatos, digamos, telepáticos foram treinados pela rotina evolutiva de viver em contato com a poesia. Ficando de abstrato a um retrato 3 por 4. As energias captadas pelas vagas mentais, produzem o movimento exato do sentimento que os conecta.
Pelo embaçar, do frio vidro na janela, passa o prazer que transborda na onisciência dos dois. Estão tão próximos em tempo e espaço, a uns poucos passos do paraíso. Uma fina casualidade, os dois ainda não serem apresentados. Um requinte, talvez, cruel do destino. Mas eles próprios têm que se dar à chance de amar. No amor não custa tentar. O jogo do amor exige sorte e coragem, mas antes de tudo vontade.
Seus mundos por mais que pareçam distantes, estão prestes a se aproximar. Aquela louca está mais próxima agora. Doud começa a criar coragem de chegar nela. Ela parece perceber, decide se arrumar e abrir o seu imaginário. Sai de sua reclusa loucura. Abre-se a doce brisa do leque do destino. Uma obra. Um requinte de mulher na busca, na conquista do amor. Isto exige artefatos, sua intuição sopra. A moça mais mulher do que nunca, decide se arrumar. A intuição juntou-se a seus cinco sentidos. Dos olhos redondos e brilhantes refletem uma donzela a espera de um beijo. Antes da hora do sol dizer que mais um dia se passou, saiu à louca com um sorriso em sua boca. Naquela faixa de areia, a Prainha Doce, marcou-se pelo destino um encontro. Porém a moça, antes de chegar na praia, entra num bar, donde sai fumaça e um cheiro de cachaça. Seria este ato um entrave ao destino traçando-se?
Aquele homem poeta enclausurado em sua imaginação, mas não louco e normal tampouco. O poeta abre a porta e sai num berro. Num urro se desvencilha das encilhas, que insistiam em tentar domesticar sua feroz vontade de amar e ser amado. Viu seu avesso vindo, seu ego o motivo de tanto desentendimento o entendendo. Tanta fuga. Correndo na rua que como um espelho o refletia. Aparecia agora honesto e sincero seu reflexo. Causando harmonia e conseqüente equilíbrio. Surgiram possibilidades de boa vontade. Controlado, o desejo de ter que todos temos, com a vontade de ser que todos somos. Um reflexo de íris, da matéria no aço, refletiu. Doud sabe que a gente é o que gente pensa que é. -Um príncipe sou, pensou e transpareceu. Sua roupa suada transformara-se no traje que mais lhe caia bem. Seguro sentiu a vontade de controlar, ele, o próprio destino possível. Correndo, nas suas profundezas apoiou-se, no fundo trampolinou-se. Medalha de ouro nos 100ms rasos, o homem estava um arraso.
O que Doud procura é um amor de homem para mulher, algo para tocar e se desentocar. Acabara-se o receio de ser frágil a sensação intensa da paixão. Por mais que surja um brilho tímido de medo no olhar de Doud, para onde olha é que importa. A energia vinda de seus sentimentos o assusta, parece testar sua sanidade. Quem sabe é aquela figura distante que está fazendo nascer este sentimento virtuoso e perturbador que é a paixão. Doud levanta seus olhos molhados e tímidos procurando a moça, desperto neste olhar está o amor.
Já na prainha, enquanto o rio corre e a luz da lua cai, uma lágrima escorre e desce da face de Doud até seu peito, refrescando a fornalha que está se formando. O atraso em suas mãos não iria mais tirar. Acabara-se seu próprio ordenhar diário. Não era mais possível, a solidão brincando de esconde-esconde, os desejos acumulados obstruindo o pulsar da paixão na sua vida. Suas narinas agora sem farinhas, alimentando seus atuais bons pensamentos. A vida simples o satisfaz, livra-o dos vícios. Enquanto flerta mira sua flecha, em olhar acerta a ação, agindo. Como um outdoor no ar, o desejo de amar a se propagar. No terreno da Prainha Doce um anjo circulando, com seu arco apontando na direção de dois corações. Por coincidência o céu vira poesia, tinge-se em arco-íris o crepúsculo. Todas as perguntas e lamentos petrificam-se. Tornam-se bases fortes para o amor que vai entrar. Doud corre, o tempo para. Dá adeus a si só, quer-se a dois. Sua tristeza a sumir e a alegria a assumir.
Corre ao encontro do desconhecido e tão temido, porém prometido estado de amar. Faria da sua nostalgia uma canção. Todos sabem dar tchau a solidão. E por mais que doa, a dor do amor é uma necessidade. Todo mundo tem um pouco de medo da vida. Mas medo do quê? Passa o tempo pelo fio das vidas. Pelo frio das horas solitárias todo o amor que resta retorna. Foge de sua aresta, deixa o voyeurismo. A beleza está naquele lugar, e dentro de nós a de se achar e em outra pessoa se encaixar. Agora Doud já sabe que é impossível viver só. Já largou o pó. Apesar de que para se salvar, esta seja, sim, uma tarefa solitária. Achava-se salvo. O seu objetivo é o seu par achar. O céu de sua boca no horizonte tocando, ligando o rio da Prainha Doce ao universo e esses aos seus versos em sorrisos largos. Nada garante que o amor não é uma mentira contada e acreditada por duas pessoas.
Chega o momento final da corrida.
Vê a moça saindo do bar, e vai até ela galantemente. Como um dançarino de tango a pega. E face a face olha-a nos olhos, os percebe vermelhos. Respira profundamente, sente o cheiro de cachaça e crack. Aquela moça anônima era uma drogada. Na tão conhecida, por Doud, vida perdida a moça estava. Escorregou uma pergunta, daquela fêmea boca - Tem um cigarro? Ela alcançou sua mão suada e trêmula de alcoólatra pedindo mais do que pedira, seus olhos vermelhos pedindo ajuda. Doud a abraçou. A maldade inconsolada adotara a vida de mais uma pessoa. Aquela louca estava sequelada pela vida errada. Doud pensava que amando a carne, fugiria dos problemas adictos e de tentar resolvê-los. Mas na pessoa que o seu destino providenciou para um amor carnal, estava lá, sua intromissão de vida. Doud tem que se intrometer, pois sabe, agora mais do que nunca, que a vida é circular. De tanto correr e fugir, quando paramos estamos no mesmo lugar.
Um rosto colado no outro por amor abastecido. Um beijo. Um afago. Outra coisa no peito bate. Quanta vida controlada pela falta de amor. Mas um dia, quem sabe um dia, o ser humano não mais fugirá do mais que humano em nós; o amor. E aí “Quando cruzarem nuas suas naus, seus corpos errantes nesta vida navegante, irão realmente, na verdade se descobrir, e amar”.
O leitor certamente quer um fim para essa história. Mas como assim, se esta é a história da procura de um amor verdadeiro. E o amor verdadeiro tem início e meio, mas não tem fim.
Cont...

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