terça-feira, 9 de julho de 2013

Rio e a Guerra




Eliminando as razões expostas pelo General Mascarenhas de Morais em suas memórias, outros  motivos dos insucessos brasileiros são raramente abordados. Entre eles está a pouca qualificação dos brasileiros em atividades de elevado nível técnico, como a interpretação de fotos aéreas, fundamentais para a localização das defesas inimigas, confecção de cartas topográficas, de situação e caixões de areia.
A primeira escola de formação de especialistas militares: o Centro de Instrução Especializada (CIE), foi criado às pressas, por decreto presidencial, em 30 de junho de 1943, totalmente dependente do auxílio de instrutores norte-americanos. O Curso de foto-informação do Exército Brasileiro só viria a funcionar, efetivamente, após a IIGM, na Escola de Instrução Especializada (EsIE), no Rio de Janeiro.
Curiosamente, uma das melhores fontes de estudo sobre as razões dos insucessos nos ataques ao maciço Belvedere-Monte Castello, está justamente nas razões apontadas para o sucesso do ataque final, iniciado na operação Riva Ridge e descritas pelo Tenente Coronel Henry J. Hampton, Comandante do I Batalhão do 86th (Download do documento original aqui).
 THE RIVA RIDGE OPERATION
REPORT OF LT. COL. HENRY J. HAMPTON
Razões para o Sucesso
1. 70% do pessoal foi treinado nas Montanhas Rochosas. Eles não tinha medo de despenhadeiros, precipícios e terreno difícil.
2. Reconhecimento prévio e completo das rotas de abordagem pelos oficiais e homens que conheciam a montanha, com a preparação de ordens detalhadas, caixões de areia e fotos aéreas para a completa orientação de cada homem.
4. Reconhecimento aéreo, feito pelos comandantes, no terreno que não podia ser observado na superfície.
5. Possibilidade de prática num terreno próximo, compatível com o terreno onde a operação foi executada.
6.  Ação noturna tanto na abordagem quanto no ataque.
7. Condição física e disposição, que eram os principais obstáculos a serem ultrapassados.
8. Moral alto  e Espírito de Corpo dos homens, que sabiam que o combate em montanha era a sua especialidade e quando lhes é dado um objetivo, darão o máximo de si para superá-lo, para justificar o seu treinamento especializado.
Diga-se de passagem: boa parte das razões para o sucesso da tropa norte-americana não estavam presentes no treinamento da tropa brasileira. Mesmo assim, o Ten Cel Castello Branco minimizou as deficiências da tropa ante a impossibilidade da missão imposta: “Quanto às falhas dominantes observadas na montagem e na execução dos ataques, queremos apenas sintetizar dizendo, que resultaram mais das condições dominantes do que das imperfeições da própria tropa.”

O Comandante da FEB decide continuar

Retornando da reunião, no QG do IV Corpo de Exército, o Gen Mascarenhas de Moraes foi demovido da idéia de renúncia ao cargo pelo Gen Cordeiro de Farias, respondendo então aos questionamentos do Gen Crittenberger:
” A FEB guarnece uma frente de 20 Km e teve ordem de atacar num setor de 2 Km dessa frente; não tinha meios para vencer o inimigo nesse setor e continuar a guarnecer 18 Km; o comando brasileiro achava que a FEB poderia manifestar capaciddae de combate quando recebesse uma missão adequada aos meios, não só quanto a profundidade do ataque, mas quanto à sua largura; mas enquanto recebesse missões como aquela do dia 12, só poderia mostrar não uma incapacidade, mas uma impossibilidade de combater. Acrescentou o comando brasileiro que nem a melhor Divisão americana, no T.O. do Mediterrâneo, do Pacífico ou da Europa, entrou em linha sem ter preenchido por completo o ciclo de sua instrução, isto é, um ano de instrução nos Estados Unidos, três meses no T.O. e um mês de ambientação na linha de frente. A instrução da FEB tinha sido incompleta no Brasil por culpa do Governo, na Itália por culpa do comando aliado. Por fim, como último argumento, dizia que não cabia ao comando brasileiro julgar a si próprio. O comando americano, que o tinha diretamente sob suas ordens, é que poderia atestar se tinha ou não capacidade de combate”
(trecho do livro: A FEB por um Soldado)
Seus argumentos foram aceitos e, porque não dizer,  empregados pela 10ª Div Mth americana na ação vitoriosa de fevereiro de 1945. Após o episódio de Monte Castello, a FEB passou a ser empregada de forma adequada, portando-se de forma admirável pelo restante da campanha.
Muita embora esse episódio pessoal dramático possa sucitar uma animosidade ocorrida entre brasileiros e norte-americanos, tal impressão é falsa. O tratamento entre militares, principalmente em tempo de guerra, costuma  ser duro, ríspido, direto. Quando vidas humanas estão em jogo, não há espaço para meias palavras. Por outro lado, esse tratamento  também é igualmente leal e honesto.
Prova disso são as memórias escritas pelos envolvidos. Nelas evidencia-se o respeito e a admiração mútua entre Mascarenhas de Moraes, Crittenberger e Mark Clark.
Os combates de Monte Castello foram muito pouco abordados pela historiografia nacional, em especial nos últimos 30 anos. Há muito ainda a ser descoberto, pesquisado e debatido. Novas idéias e interpretações podem (e devem) germinar, livres de idéias pré-concebidas e amparadas num estudo sério e meticuloso.

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