Vá crack, eu fico
Por um atual ex
O reflexo do sol aparece na noite da vida de uma criança perdida, apagando os traços sombrios do desencanto da escravidão das drogas.
A poesia vai outra vida salvar. Acompanhe:
Um menino de nome Doudivanas (codinome Doud) descansa seu débil corpo, já em escombros de tanto desatino, tanta fuga. Na respiração, difícil e pesada, o cansaço, o reflexo da destrutiva vida do submundo de drogas e roubos. No que esse menino se meteu? Doud se tornou um escravo do crack. A tristeza de uma criança, criada em um lugar fedido, úmido e frio, enfim desprovida do mínimo para sobreviver . Assim o vício (a fuga de tudo isso) aflora. Pois a vida o deixou sem saída. Sua vila, uma ilha esquecida pela sociedade. Lá se encontram pessoas que nem lembram ou sabem o que é dignidade. Pessoas sem passagem na polícia, mas sem o dinheiro da passagem para procurar um meio de sair da miséria; um emprego, uma vaga na escravidão capital. Um lugar onde cães famintos chafurdam sacos de lixos competindo com crianças, que sem culpa sofrem. Porém a esperança tá lá, até no nome do lugar; Vila Esperança.
Vindo de uma família desestruturada, Doud poucas vezes soube o que é um carinho, uma palavra de compreensão, um apoio, um conselho, enfim um direcionamento para sua jovem vida. Uma lista de motivos acha-se para aquela vida torta que Doud seguiu. O menino filho de pai parasita sem estudo, maconheiro vagabundo, alcoólatra machão, cocainômano fissurado, ladrão chinelo e eventual traficante mirrado e explorador. Enfim um cara sem futuro, que nunca poderia ser pai. O pai hoje está preso, com muitos anos, pela frente, de cadeia nas costas. Coitado dele, e
Esse rapaz, baixinho, pele parda, cabelo ruim, aparência e roupas esquisitas, sem estudo e sem alguém para espelhar-se, seguiu a deriva na roda viva da vida. Doud quis colo, não ganhou. Resolveu fugir da maloca. Que dor recolhida, mas não esquecida, a falta que a família deixa. Há tempos são esses jovens, que pedem ajuda com suas atitudes selvagens. A forma de comunicação que encontram é a violência e a drogadição. São seres não civilizados, nunca receberam nada da civilização. Não conheceram o amor e a compreensão existente numa família estruturada. Amor, carinho, comida, estudo e até mesmo um projeto de futuro, não eles nunca tiveram nada disso. Por isso na frente de um jovem pedindo na sinaleira ou assaltando não fale em família, pois é isso exatamente o que ele nunca teve e quer destruir quem a tem.
Esses jovens devem ser tratados como crianças especiais, por sofrerem tais agruras eles possuem deficiências. São mal alimentados e não são educados para terem caráter e valores humanos. Ninguém parece perceber, mas isso exige uma reflexão individual e coletiva. É preciso agir. Entender que a vida é muito mais difícil para estes desfavorecidos.
Doud sentiu fome, frio, dor, falta de amor, falta de opção, falta de dinheiro, falta de carinho e compreensão. Pardo, pobre, magro, feio, mal vestido, sem sorte, sem estudo, sem conselhos e sem família. Queremos o que? É difícil entender, pois quem não nasceu com todos esses fatores rejeitadores de nossa sociedade jamais irá compreender. Sem passar por isso não se sabe realmente os motivos que levam a uma criança, como Doud, a se perder na vida marginal. Todos têm suas próprias razões. Miséria não é coisa para intelectual entender em livros, nem em exemplos. Há coisas que só se aprende vivendo e a vida miserável de Doud não é aconselhável. As pessoas não precisam de esmolas, está mínima cota de avareza, precisam sim de compreensão. Quando estamos lidando com pessoas sem educação, é que mostramos o quanto temos de educação. E entendam por educação a compreensão e paciência de perdoar e ensinar. O sentimento mais sofisticado do ser humano, o amor fraterno, está desplugado na atualidade. Esta modernidade não nos torna mais felizes e igualitários. Então será que o futuro e sua modernidade um dia nos trarão felicidade? Quando? Como? O que precisamos fazer? Hã! O quê? Há um pensamento se formando?
O Doud poderia ser você ou seu filho, que sorte que não é, mas qualquer um de nós pode dar de cara com um menor marginal desses. É verdade é só uma história, voltemos a ela então.
Quem dará abrigo e educação a Doud, este futuro, mas já tão presente cidadão. Doud já foi preso tantas vezes que nem se lembra mais. Doud não tem pais, nem paz. Que país é este? Muitos temores nascem da ignorância. Sua fraqueza é tão fácil de constatar e de um traficante controlar. A família, a sociedade e as autoridades todos o perdem. Assim ganham mais um número no cemitério das almas perdidas. Que este perdido rapaz não leve sua paz e sua calma, por nossa indiferença. A vida viciada continua sem perfume, a fumaça aspirada da pedra maldita condena quem quer vida além da bruta realidade. Aqui não é meu lugar. Qualquer um sonha em outro lugar estar, ao nesse estado se encontrar. Quem deixou esta porta aberta? Não quero ver, melhor não saber.
A dor continua na fria esperança daquela criança nua. Uma luta armada acontece na cabeça da criança. Por falta de consciência, de oportunidade e de direcionamento o jovem se torna menos um. Precisamos encontrar algo que faça as asas desses anjos crescerem.
E agora aquela criança solitária, com sua imensa dor, irá se tornar uma nota na página policial de um jornal? Ninguém quer isso para os seus, mas e os outros, e Doud? Seu grito se soubesse, iria até Brasília, mas há ventos que não trazem, só impedem.
Enquanto a gente dorme agora, aquela criança está no vento e no frio lá fora. Aquele menino tem medo do trovão, do vento, do seu tormento virar um furacão em sua imaginação drogada. ”Ninguém sabe o que acontece, fora das manchetes, no submundo da noite vazia”. Isso tudo deixou Doud com poucas opções. Doud criança sozinha perdida na vida. Nesta perspectiva começou a desventura de sua progressiva destruição, mas ao mesmo tempo de uma viagem profunda na reflexão. Logo ele estará com uma arma na mão assaltando, matando, o índice de violência aumentando.
Doud acostumou-se a matar a fome com loló, amortecendo a dor que a fome dá. Para esquecer a ausência de amor na vida, se entrega ao prazer de viver a sensação rápida e fissurante do crack. Aportou em seu medo uma nau sem vela, num lago seco e sem vento. Sua alma; um navio negreiro. Ouço seus lamentos, aqui dentro. –Não vou segurar. Plim! Caiu o que há de mais humano em nós. Plim! Outra. Mar de compaixão, ao vento de suspiros guiando esta pequena embarcação no meu coração - Vá Doud navegue na nossa compaixão. Ilusão de minha imaginação. Vá mude o rumo dessa história. Aproveite seja criador e não crie dor.
Sentado numa dessas madrugadas da vida, Doud chapado, nota numa poça de água suja, bem á sua frente, um pedaço de papel refletindo (uma luz). Pensa na sua vida dolorida, tinha que haver uma saída. Doud sentiu o amor aquecer seu coração. Quem ou o que o salvaria? Aquele brilho daquele papel insistia em ofuscar sua visão, tanto que lhe chamou a atenção. Esticou o braço e pegou o tal pedaço de papel. Surgiu em sua frente à reflexão na salvadora forma da poesia. A poesia, quieta no papel, falava de um jardim cheio de flores e frutas, e que a gente é o que pensa, e o que a gente pensa depende do que se alimenta e aprende. Também estava escrito no texto, em negrito que o destino da gente, a gente que escreve. O verbo se fez vontade. Doud corre em combustão, sua mente em profusão. A gritar, de varde a verde vida amadureceu. Pediu a Si perdão pelos erros, se perdoou. Sem dúvida da dádiva da vida, resolve acertar sua dívida de forma divina, a verbo em ação. Em algum lugar Doud achou lápis e papel. Mesmo com pouco estudo aprendera a escrever. Lápis e papel na mão anotou o que se passava em sua imaginação. O início de sua salvação. O hábito de escrever lhe trouxe a vontade de ler. Sua fome mental lhe trouxe horizontes, logo voltou a estudar.
Aquela criança perdida começava a se achar.
Doud quer, e quem não quer uma vida melhor. Mas Doud, diferentemente do comum, imaginou uma vida melhor para a maioria. Decidiu que sua vida tornaria poesia e a divulgaria. Sente que é preciso agir sem parar, nos rumos da sociedade atuar, utilizando o conhecimento de toda a sociedade em todos os tempos e locais.
A fome e a miséria explicam a fúria das ruas. Notícias populares se tornam espetáculos sangrentos. O medo e insegurança são o preço a pagar pelo desprezo e desdém a nossos semelhantes, que não tiveram a menor possibilidade de ter o destino de suas vidas guiado pela compaixão e fraternidade da mais alta e humana boa vontade. Está no ar à resposta, a solução desse oceano de indiferença. Cada um que faça sua parte para mudar esse quadro. A cartilha está escrita no nosso mais íntimo e sensato sentimento. Somos todos iguais em nossos desejos e medos, as oportunidades é que nos diferenciam e nos tornam indiferentes aos nossos semelhantes.
O sol bateu na mente de Doud. Os caminhos da vida são vários, o destino de todos é que é o mesmo, a busca do ser.
Doud descobre que palavras são capazes de formar novos e bons pensamentos e estes podem ser geradores de uma geração fraterna. Algo que se torne parecido com o mundo que Cristo viu. Mas como chegar ao objetivo, sem rupturas nos erros que se tornaram padrão. O algo a mais está no agora. Chegou o porvir. O vendaval da violência, abastecido a ignorância, vai passar, se nós com educação e paciência o enfrentar. A paz não é ausência de conflitos, sim a paciência e sapiência de enfrentá-los. Doud pensa em fazer poesia para salvar a si mesmo. Mas Doud sabe que mesmo que fizesse todos os textos do mundo, não iria entrar em todos os corações, mas de pedra nenhum humano é. Chegará o momento de cada um acordar. A grande poesia é o despertar. Não há julgamentos, simples observações atestam o lugar que cada um merece chegar. Isso tudo vai passar, vamos ver, há muito que fazer. Chegou à hora, é agora, é aqui, cortemos os laços conservadores que não deixam a primavera chegar. Todas as estações têm que passar, a vida é circular. Cortaram a poesia e a querem transformar em ilusão ou utopia. Hipocrisia! O mundo não é dual. Cada um de nós é um, mas num todo. A vida é universal, tudo vai em caos à uma direção...ao nosso centro, o coração! Por amor a causa atualmente perdida, Doud renasceu. A luz do conhecimento (verdade) mostrou o caminho. O verbo (poesia) é o início. A imagem é passageira. A vida é o eterno amor e a meta é a libertação em direção a esse amor fraterno e incondicional.
Doud em estado próspero de pura percepção do Ser Supremo se libertou das drogas e paixões mundanas, resolve renunciar a tudo isso e assim se auto-realizar. Torna-se extremamente simples, seu trono está num jardim de flores e frutas, seus alimentos preferidos. Segue na direção da luz do que intimamente sabe, não vai atrás da cegueira da multidão, ofuscando-se com o brilho e poder do ouro. Coração e mente em conjunção lhe mostraram a direção. A luz íntima clareia o que é preciso ver e seguir. A leitura é a atividade que traz, com o amor, o melhor futuro de presente agora. Calmamente todos, como Doud, notarão em si a salvação de tudo.
Doud resolve retirar-se, resguarda-se num jardim, pois a pouco era um drogado e o período da abstinência é um perigo. Uma proteção é se cultivar. Não se deixar cair em tentação, faz sua parte em oração vinda do coração. Assim vai ao seu mais íntimo se plantar. E sabe que no seu templo, tem espaço para semear o destino que o fará não ser regra nesse mundo. Afinal de contas na poesia não há regra, nem beleza ou verdade unânimes, pois toda unânimidade exclui. A poesia vinda do mais íntimo é a verdade acolhedora e integrante de todo o ser que busca.
Poesia, pô! É isso que falta!
A vida de Doud começa a ganhar alegria, mesmo que medida a sofrimento. Doud, antes um perigo para a sociedade, agora um perigo para o sistema desigual e avassalador atual, quer acordar os que o rodeiam. Para tanto se retira conscientemente ao seu inconsciente, o jardim que de si havia expulsado para se preparar. Entra num processo de desaprender tudo o que havia aprendido na sociedade atual, busca um caminho para a mais profunda verdade.
É, contemporâneos, a poesia esta a salvar a bela vida, a intromissão, de Doud.
E a nossa?
Para que lado você vai seguir.
Ósi Luís